I Love Paraisópolis: boa ou má abordagem?
- Erick Pontes
- 13 de nov. de 2016
- 3 min de leitura
Não é de hoje que as telenovelas encaixam em suas tramas abordagens sobre diversos assuntos polêmicos da sociedade. Relações homossexuais, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, doenças sexualmente transmissíveis, entre outras causas, já foram tratadas em algumas novelas. Porém, uma novela nos chama atenção e nos traz até aqui: I Love Paraisópolis.

A novela da Rede Globo entrou no ar em 21 de maio de 2015, permanecendo até 6 de novembro do mesmo ano. Inicialmente, a ideia era abordar a relação existente entre a favela de Paraisópolis e o Morumbi, seu "bairro vizinho". Em uma de suas entrevistas, o autor Mário Teixeira chegou a declarar que um dos objetivos da trama era deixar claro o preconceito exercidos pelos cidadãos ricos do bairro ao lado.
Não podemos negar que, de certa forma, a expectativa foi sancionada. Em vários capítulos e tramas corriqueiras, I Love Paraisópolis mostrava de forma eficaz alguns problemas enfrentados pelos moradores da favela: A dificuldade em pagar o aluguel; a realidade das mães solteiras e abandonadas; o desemprego e a busca por meios de conseguir dinheiro de maneira ilegal; a baixa segurança; e, principalmente, a submissão dos pobres aos ricos, em busca de uma melhor qualidade de vida.
No entanto, não podemos nos calar diante da má abordagem sob alguns casos. Certas tramas paralelas não souberam ser aproveitadas de maneira a representar seriamente a realidade das comunidades. Ser pobre, por exemplo, passou a ser tratado, com o desenrolar da trama, como algo pejorativo e humilhante. Alguns personagens se tornaram meros fantoches nas mãos dos ricos, sendo muitas vezes submetidos a circunstâncias constrangedoras em busca de riquezas e bens. Não que isso não seja uma realidade, pelo contrário, é. Porém, cabe a produção dar vazão a aquilo que está sendo abordado; quando se propõe a realizar uma certa crítica social, principalmente em um veículo de comunicação tão reconhecido, deve-se abordar de maneira séria. Não apenas jogar no ar todas as tramas e ignorá-las, sem mostrar uma realidade total. Os motivos, os sentimentos, as pressões... Tudo isso fora "levemente" esquecido. Se mostrava apenas a disputa pela materialidade, sem retratar os verdadeiros motivos que levam determinados indivíduos a chegarem nessa situação.
Apresentando pontos negativos e positivos, I Love Paraisópolis chegou a se perder seriamente no humor escancarado. Morar na favela, ser humilhado diariamente por seres de classes mais altas e encarar a realidade difícil de quem é pobre se tornou motivo de piada. Não é difícil encontrar textos por redes sociais ou em sites de crítica que afirmam o quanto a novela se deixou seduzir pelo humor e esqueceu de lado o preconceito social, algo que, inicialmente, seria a peça-chave do produto.
Apesar disso, podemos ainda ressaltar que houveram momentos em que a novela voltou a se encaixar no eixo e mostrar o preconceito como ele é. Soraya, grande vilã da trama (que também havia perdido sua essência, se tornando uma figura desagradável e caricata), protagonizou cenas extremamente interessantes ao cometer injúrias raciais com outra personagem. A forma como essa trama fora tratada, particularmente, rendeu bons momentos de reflexão e ensinamento.
No meio de tudo isso, cabe afirmar que, de certa forma, o preconceito social se tornou segundo plano da novela. Um dos problemas enfrentados foi o fato de, em um elenco com cerca de 60 atores, apenas seis serem negros, o que contraria a realidade de Paraisópolis (70% dos moradores se consideram negros).

Como sempre, a busca por audiência virou o principal objetivo, fazendo se perder em tramas cansativas e clichês (como casais que nunca se separam, vilãs sem motivos para agir de maneira rude, além do famoso humor escancarado e que em nada agrega). Porém, se analisarmos o histórico atual da mídia e das telenovelas, I Love Paraisópolis merece, nem que seja um ponto se quer, ser lembrada ao falarmos de preconceito social. Os autores, mesmo que pouco, proporcionaram aos telespectadores a realidade das favelas ao nos mostrar como as pessoas vivem diante a pobreza, como o morador de favela sofre preconceito e como os ricos são considerados melhores apenas por sua classe social. Não vimos, no final dessa história, o preconceito ser combatido, sequer relembrado e enfatizado. Como já dito, se perdeu no meio do caminho a crítica social feita.
O título da novela poderia claramente ser trocado. Colocar "I Love Paraisópolis", dando a ideia de ser um lugar amado e, obviamente, centro de todas as ações da trama, se tornou incoerente.
Mas, a salvo estão alguns momentos que valeram a pena e souberam abordar a realidade vivida nas favelas. E que a próxima abordagem em telenovelas seja ainda mais séria e eficaz, dando ênfase da maneira merecida.
Erick Pontes
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